sábado, 19 de junho de 2010



A dona da história é a do meio (Jaqueline)

PÂNICO NO ÔNIBUS


E as férias chegaram!
Que delícia! Vou curtir a família e amigos! Lá vou eu passar um mês na minha cidade natal. Banhos de cachoeira, barzinhos lotados, um clima de paquera, sem hora pra acordar e dormir. Existe coisa melhor?
Foi um ano difícil considerando que tive problemas com o chefe no trabalho, tarefas complicadas na faculdade, fim de um longo namoro e uma síndrome do pânico que de uma hora pra outra invadiu minha consciência fazendo-me sentir uma caça. A sensação que tinha era de que alguém estava me observando, seguindo, fotografando, pronto pra acertar o alvo, no caso, eu mesma.
Se você já sentiu isso saiba que é um forte candidato a passar por momentos angustiantes e, pior, ridículos. Momentos conflitantes onde o protagonista vive o desconhecido envolvendo terceiros inocentes, como o que aconteceu comigo quando estava no ônibus, a caminho da terrinha e das férias tão esperadas.
Mamãe que me perdoe, mas esse medo todo começou com ela. Era medo de assaltos, baratas (principalmente), fantasmas, almas penadas, mendigos, luz apagada, janelas abertas, portas destrancadas, pés descalços. Fui nascida e criada num meio onde tudo era perigo e temor. Deu no que deu!
Como ia dizendo, entrei no ônibus rumo a tudo que há de bom no mundo, somando aos pães de queijo, broas, bolos, um breve adeus à minha dieta.
Seriam 14 horas de viagem numa estrada quase que abandonada pelo governo federal, estadual, municipal ou de quem mais queira assumir a irresponsabilidade, num ônibus tão confortável quanto um passeio de charrete Rio/Petrópolis. Mas eu estava preparada. Afinal “chutei o balde” com meu patrão, entreguei de qualquer jeito meu trabalho na faculdade (depois me viro com professor. Esse, pelo menos, é “gente fina”), terminei o namoro meio assim “depois que voltar de férias nós conversamos, mas agora vou dar um tempo”. Portanto nada me aborrecia!
Meu assento era o de número 23. Ficava praticamente no meio do ônibus e, que maravilha...na janela! Pra melhorar a situação, ninguém se sentou ao meu lado. Poderia abaixar as duas poltronas, fazer do meu casaco um bom travesseiro e, cansada da paisagem, dormir o resto de viagem. O mundo conspirava a meu favor!
No mesmo ônibus entra uma conhecida rumo à mesma cidade. Esqueci o nome dela. É irmã da Norma que estudou comigo no ginásio. Era mais nova do que a gente, meio fechadona, pra não dizer antipática. Aliás, a Norma também era. Além de antipática se considerava a mais bonita e inteligente. Como será que está hoje em dia? As pessoas mudam com o tempo. Eu era a mais alta, meio desengonçada e super-tímida. Morria de vergonha da minha estatura que realçava perto das outras. Hoje me sinto um espetáculo de mulher, com 1,75m, cabelos longos, sobrancelhas definidas, uma mulher segura, articulada, independente, a caminho das melhores férias da minha vida! Na casa dela o nome de todos começa com N (coisas de interior). Nélson, Norma, Norberto(Beto)e...lembrei! Neusa!
-Oi Neusa tudo bem? Tá indo pra casa também? Férias? Eu também! Legal! Como vai a Norma? Casou? Já tem um casal? Manda um beijo pra ela.
Pronto, fiz a minha parte de moça educada. Resumi meu assunto com ela esperando que aprenda o que é ser elegante e simpática.
Começa a viagem e estou tranquilinha da Silva! Temos muito chão pela frente, mas o que é isso pra quem tem um mês inteirinho pela frente de puro desfrute.
Andamos aproximadamente uns 40km quando de repente resolvo olhar pra trás e me deparo com um homem de aproximadamente 40 anos, mulato, vestindo uma camisa social azul-escuro, que imediatamente me encarou. Meu Deus! Que medo me deu! Ele quer fazer algo comigo! Tenho certeza! Me olhou com uma cara de poucos amigos! Será que ele vai parar o ônibus quando andarmos mais um pouco e render todos os passageiros? Talvez não! Subi devagarzinho a cabeça por cima da poltrona. Lá estava ele olhando pra mim. Meu Deus! O negócio é comigo! O que ele quer? O que fazer? Provavelmente me seguiu até a rodoviária me viu entrando no ônibus e resolveu tomar o mesmo rumo que o meu pra ver se conseguia me capturar. Só podia ser! Foi quando o assento da poltrona foi ficando quente, quente, quente!Ui! Dei um pulo. Me queimou esse banco! Ai que vergonha!
Parecia que agora não só aquele tarado, maníaco, louco, sabe o que mais me observava, mas também todos que estavam sentados do número 25 para trás. Preciso rezar, pensei! Alguma alma generosa vai entender o conflito íntimo pelo qual estou passando e vai querer me ajudar.
Neusa! Lembrei dela! A Neusa vai me ajudar, afinal fomos praticamente criadas juntas...quer dizer, não tão juntas assim, mas lá vou eu!
-Neusa! Me faz um favor! Você se incomoda de rezar uma Ave Maria comigo?
Neusa me olhou meio sem entender o porquê daquele pedido tão descabido, numa hora inapropriada, num momento completamente sem nexo. Olhou para os lados pra ver se alguém tinha assistido àquela situação e muito sem graça disse: - “Tudo bem!”. Ótimo! Rapidinho me sentei ao seu lado, segurei firme na sua mão, fechei os olhos e comecei: “Ave Maria, cheia de graças..” e lá fui eu debulhando minha Ave Maria com tremendo fervor! Pronto, agora estou mais calma. Abri os olhos e vejo uma Neusa de olhos esbugalhados pra mim, quase que com medo.
-Obrigada Neusa! Agora vou voltar pro meu lugar! Desculpa te incomodar viu?
E retornei à minha poltrona, ao mesmo tempo aliviada e constrangida. Que situação! Mas não vou esquentar com isso agora. O que importa é que estou me sentindo mais leve. Como tem poder e força uma oração quando feita com fé! Pensei. Nem olhei pro “dito cujo” que causou todo esse transtorno. Aliás, ele não tem culpa de nada. É essa maldita síndrome de pânico que me faz sentir esse medo de perseguição seguida de morte.
Sentei, dobrei meu casaquinho, olhei pra paisagem, tentando apagar tudo da minha mente e recomeçar minha viagem rumo às já não tão melhores férias de minha vida. Recostei minha cabeça tentando me entregar aos braços de Morfeu, quando sinto novamente a cadeira esquentar, ferver...Fogo!Fogo! Tá pegando fogo! Levanto-me e olho pra trás. Lá está ele! Agora de olhos fechados! Fingindo que está dormindo, lógico! Disfarçando o danado! Ele quer me deixar numa situação ridícula passando-se por bonzinho, mas eu sei muito bem que ele tem as piores intenções para comigo. Não me faço de rogada. Levanto-me rapidamente e tomo o rumo da poltrona da Neusa, afinal somos agora amigas e ela me entende!
-Neusa!
Dessa vez já me sento rapidinho ao lado dela.
-Olha, preciso que você reze o Pai Nosso agora comigo! Pode ser?
Coitada da Neusa. Nem dava espaço pra ela falar nada. Já peguei na sua mão, apertei com mais fé ainda, fechei os olhos, e...”-Pai nosso que estais no céu...” e fui devagarzinho ficando calma, calma, e no “Amém” abri os olhos e lá estava a Neusa com cara de que definitivamente eu não era normal.
- “Brigada” Neusa, agora vou voltar pro meu lugar. Você está sendo muito legal comigo viu?
E voltei chacoalhando pra poltrona que durante a viagem mal me acomodou. Passei 14horas da viagem olhando pra trás, com minha bunda queimando, tomando o rumo da Neusa e rezando, ora uma Ave Maria, ora um Pai Nosso. Algumas vezes dava de cara com ela dormindo, de boca aberta, quase babando. Dava um cutucãozinho de leve e pedia com as duas mãos juntas quase que implorando.
–Neusa, dessa vez é só um paizinho! Pequenininho.
Fazia com os dedos indicador e polegar o tamanho do Pai Nosso.
-Por favor!
Ela se acomodava arrumando o cabelo e me dava a mão. Agora até ela fechava os olhos. Não sei se ela dormia enquanto eu rezava ou também rezava, mas para que definitivamente eu morresse. Coitada da Neusa! Tão bacana. Sempre achei que ela fosse uma menina legal. Assim como sua irmã Norma e toda sua família. A gente muda né? Só não sei por que toda vez que a encontro na nossa cidade natal ela atravessa a rua!
As férias realmente foram as melhores da minha vida, mas o retorno pra faculdade, trabalho e antigo namorado não me decepcionaram. Nada como um bom intervalo para recarregar nossas baterias e começarmos um novo tempo com garra, força e perseverança.
A síndrome de pânico me persegue ainda, porém com menos intensidade e queimando menos. Acho que aquela viagem foi suficiente para começar um tratamento regado a muito autoconhecimento e controle da situação. Guardo na memória todas as expressões da Neusa e imagino o que ela deve ter falado de mim para minha amiga Norma quando chegou em casa.
O homem que estava na poltrona de trás? Era um representante comercial da indústria têxtil que viajava de cidade em cidade oferecendo viscoses, sedas, crepes e cambraias. Aquele monstro que via nele era só uma psicose minha.
Pior foi o que me aconteceu quando fui madrinha de casamento de um grande amigo. Mas isso já é um outro conto que um dia eu conto.

Fato contado e florido pro mim!
Dedicado à minha grande amiga e irmã Jacqueline Jaber Barbosa.







FERNANDA VILLELA

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